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Mísera sorte, estranha condição!




Por Gustavo Corção, publicado n’O Globo em 23/05/1974


LEIO a notícia: "Spínola assume e nomeia o Gabinete"; leio os nomes de dois ministros socialistas e de dois ministros comunistas nesse governo dito democrata e liberador — e concluo que o General Antônio de Spínola é hoje o único homem no mundo que ainda não sabe exatamente o que é um comunista.


A MESMA notícia anuncia também que o General Spínola exaltou o regime democrático e prometeu entregar o poder aos civis após realização de eleições livres: e esta leitura não me levou à conclusão análoga de que o dito general seja o único e o último homem do mundo a acreditar na viabilidade das eleições livres, na vantagem delas, e nas excelências de um regime democrático que sempre se definirá pelo máximo teor da anarquia. Neste ponto o revolucionário português ainda acompanha a miragem da maioria de uma civilização inebriada de utopias e indigestada de contraverdades. Por toda a parte ainda vejo e ouço a mesma obstinada convicção que a História em vão desmente. Sim, por toda a parte ainda se lê, como resumo de filosofia política, a expressão de um desejo de democracia, de verdadeira democracia, quando já ficou abundantemente provado que a democracia é um erro, um vício ou um mau desejo tanto mais viciado e errado quanto mais fiel procura ser aos seus princípios. Posto nesta altura de tão inditoso século, como o velho do Restelo dos Lusíadas, não me canso de clamar: "mísera sorte, estranha condição!" diante de cada empreendimento em que vejo os homens se armarem e se prepararem para alguma nova aventura no encalço do Nada. Agora é nosso amado Portugal que, à beira dos conhecidíssimos precipícios, anuncia ao mundo uma lusíada às avessas.


E O QUE pasma e enfastia é ainda ouvir as mesmas pausadas reflexões esperançosas que explicam a boina e o livro do General Spínola pelos defeitos do governo anterior, que teria sido sufocante, constrangedor, colonialista, fascista e não sei mais o quê. Dizem que o atual movimento abre para Portugal as janelas da democracia e da liberdade sem que ninguém explique cabalmente que benefícios já trouxe para o mundo essa utopia de um governo do povo, pelo povo e para o povo, e sobretudo sem ninguém explicar o mecanismo graças ao qual a liberdade de imprensa e de programas de TV, em combinação com o sufrágio universal e demais peças do jogo democrático produzem a fartura e a felicidade para os povos. O tipo de civilização produzido com tal utopia aí está diante de nós, acintoso, evidente, a nos fazer sua medonha careta de acelerada degradação. E os homens de um ocidente que já foi cristão não aprendem, na vigésima, na trigésima lição, aquilo que Edmond Burke gritava aflito nos dias turvos da Revolução Francesa que, num momento de mundial estupidificação, foi visto como um progresso para o homem. Como hoje na ONU e nos meios dos padres progressistas, falava-se muito de direitos do homem, e observando que todos os direitos apregoados estavam na linha da liberdade e da anarquia, o inglês Edmond Burke reclamou genialmente o "direito ao constrangimento" em On Revolution, para bem assinalar que o homem precisa ser mantido num quadro de constrangimentos regrados pela razão em vez de ser largado à indeterminação e aos caprichos de seus instintos elementares.


DAÍ a necessidade fundamental de qualquer regime político que realmente procure enaltecer a dignidade do homem e não a licenciosidade de seus instintos. Assim como as crianças têm um fundamental direito à proteção e a certos constrangimentos, assim também os povos e essa filosofia do bom senso era a que inspirava o governo anterior de Portugal, como inspira os governos do Brasil. Agora, o vento das liberdades anárquicas e hedonistas pretende inculcar, no povo visitado por Nossa Senhora, a idéia de um regime político alegremente escancarado, ébrio e coroado de rosas. Mas por uma humorística contradição do demônio puseram-se ao lado dos festivos libertadores dois socialistas e dois comunistas. A história de Ialta é recente. Viu-se que um dos principais assessores do Presidente Roosevelt, representante da máxima democracia, era um comunista; a história de Willy Brandt é recentíssima — viu-se, que o idealizador de uma Alemanha unificada e democrática, se não era um simples e torpe traidor, era mais um idiota, cujo principal assessor viera do partido comunista com a missão de prostituí-lo e ridicularizá-lo. Nenhuma dessas lições aproveita, porque o orgulho do homem moderno não lhe permite aceitar um regime ordenado, disciplinado e PENITENTE! Todos querem orgias de todos os bens terrestres e de todos os terrestres prazeres: os políticos estão intimados a inventar a máquina que produza essa espécie de felicidade.


E O RESULTADO que mais uma vez se observa é esta fastidiosa monotonia: é sempre a revolução ateia, maçônica ou comunista que colhe os proveitos produzidos pelos ideais e pelas desastradas parvoíces dos tolos. E o que nos dói, como na própria pele, é que esse triunfo do comunismo e de Satã seja colhido nas amadas terras de Portugal, onde Nossa Senhora, extremosíssima Mãe de Deus e dos homens, anunciou tudo vertendo lágrimas e agitando os astros, para gravar bem a atenção dos homens pela piedade e pelo espanto. Nem assim gravou.

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